quarta-feira, 2 de maio de 2012

vir aqui lembra-me de tempos eu que eu simplificava. e eram tempos bons. diferentes, mas bons

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

"desculpa,mãe.
desculpa-me a bagunça e os pés no chão frio;
desculpa-me a barriga e as pernas e a cabeça e o cotovelo.
desculpa, mãe.
desculpa-me à doença e à boca tão calada como o andar à chuva. desculpa-me o silêncio, mãe, desculpa.
desculpa quando era só eu e quando era só eu outra vez. os gritos mãe! desculpa-me os gritos e eu a implorar-te. não tinha direito mãe. desculpa.
desculpa ter de dizer-te que não. logo agora, mãe, tu precisavas de mim e eu disse-te que não. desculpa chamar-te. desculpa chorar, mãe. desculpa-me isto tudo.
não me deixes, mãe.
nunca me deixes."

quinta-feira, 19 de maio de 2011

adormeci, Benjamim


Era Inverno, Benjamim. Um Inverno frio feito à semelhança daquele que levou o teu corpo para longe. O chão: frio. O chão sem ti, frio. A tua partida levou com ela o meu sossego. Deixei de fechar os olhos durante pouco mais de duas luas. Não me lembro do que pensava enquanto não dormia. Pensava, talvez, no carteiro. O carteiro vinha cedo, ternamente envolvido na escassa luz que o sol mostrava nas manhãs de Inverno. Olhava para mim na janela e para as minhas mãos pálidas que seguravam uma caneca de chá. O carteiro era já o único ser que me podia trazer noticias tuas, em folhas de papel dobradas em três. Ele passava. Deixava a esperança do dia em que trouxesse uma carta tua e ia embora. Igualmente envolvido por uma luz que aos meus olhos se tornara mais escura. No meu corpo, tremia a pele cansada e os olhos cansados de não se fecharem. Nos meus pés, sentia-se o frio do chão frio. Quase em todas as manhãs o mesmo: os olhos do carteiro. O meu desconsolo. A pele das minhas mãos pálidas que fazia tremer a caneca do chá. Houve uma manhã em que as minhas mãos não tremeram. O carteiro passou e parou. Olhou-me e entregou-me uma carta. Não era tua, Benjamim. Só a abri ao cair da noite. Era de um homem. Um homem que não tu e que não conhecia o cheiro das minhas lágrimas. Mas o homem sabia de ti e queria contar-me. Pedia-me que o encontrasse no parque num dia ameno. Eu fui, Benjamim. Sonhei numa noite. Presságio de que o dia que se seguia ia estar ameno. Sonhei com barulhos de chaves nos bolsos de um carteiro que não o do costume. Era mais alto e mais feliz.
O homem não fez questão de definir horas portanto eu não chegaria demasiado tarde ou demasiado cedo. Peguei no meu casaco branco, descosturado na manga esquerda por falta de bom uso, e saí. Pelo caminho ia pensando no carteiro do meu sonho. Talvez aquele tivesse sido o barulho das chaves da sua casa onde ansiava todo o dia por chegar. Onde dormia todas as noites. Acabei por chegar ao parque. Estava mais jardim do que da última vez. Tinha mais árvores e estava mais ruidoso. Sentei-me num banco que estava apoiado por duas pedras brancas sujas pelo verdete das águas do Inverno. Era tarde e chegou o homem: velho. Branco pelos dias que lhe passaram por cima. Não sabia quem ele era, mas era ele. Sentou-se ao meu lado. Sereno, tirou do bolso interior do seu casaco preto gasto dois cigarros. Acendeu um e deu-me o outro, acendendo-o de seguida. Fumámos os dois. No fim perguntou-me se tinha esperado muito. Fechei os olhos, suspirei. Disse que tinha chegado pelo cair da noite, à espera de encontrar o meu parque do costume. Mas era agora um jardim e a noite apoiava-se sobre ele naquela escassa luz de Inverno. Passados alguns minutos de um silêncio pouco constrangedor disse-me que às vezes a parte boa da transformação era nunca perder a capacidade de nos surpreender. Disse-me ele está morto. Encontraram-no já assim, no meio de chão. Sem sangue e sem vida. Dizem que morreu de coração. Outros dizem que morreu de frio. Disse-me que encontraram uma carta e ele, homem branco e velho, tinha-a em sua posse. No seu bolso junto dos cigarros para a sentir cada vez que lhe apetecesse fumar.
O homem velho deu-me a carta. Era tua. Trazia o cheiro da tua pele agora morta e arrefecida. Fui para casa. Dormi. Dormi até se fazer noite de mais um dia. Acordei. Sentei-me na janela e abri a carta. Li-a até lhe gastar as palavras, até de manhã.Sentia cada vez mais o teu corpo frio no chão frio e continuava a ler. Revivia cada um daqueles dias de Inverno à varanda e cada dia em que o parque era parque. Continuava a ler. Por cada linha que percorria via o teu corpo junto ao meu. Cada palavra aproximava-me da tua morte e de ti naquele chão onde te encontraram. O último chão que pisaste sentiu-te morto sobre ele. Cada palavra trazia uma lágrima minha na tinta da tua caneta e o papel amolecia. Era já manhã. O carteiro passou e olhou-me. Vesti o casaco e fui comprar cigarros.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

deixaste-me, sol


hoje é um dia de sol. mesmo que estar a chover não importe, o dia é de sol até ao fim.
e tu deixaste-me, num dia de sol. eu vi o sol porque me arrefeceu.
quando me deixaste hoje, dia de sol, os carros não abrandaram. as pessoas não falaram mais baixo quando eu passei, os pássaros não fugiram da chuva, porque estava sol. eles estavam só a fugir de mim, porque me deixaste. tu sorriste do outro lado. começou a chover. as pessoas abrandaram, os carros fugiram e os pássaros falaram mais baixo.
e era eu, quando me deixaste, que jurei continuar sozinha. era eu, quando sorriste, que fechei os olhos e caminhei por cima das chuvas. era eu, quem tu deixaste num dia de sol.
amanhã: prevejo sol. e pássaros e carros. pessoas. amanhã prevejo-te a sorrir. e assim vai ser, dia após dia, sol após chuva, coração após coração. assim vai ser, porque me deixaste num dia de sol. e estava a chover ao meu lado.